quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Os livros de auto-ajuda e a “depressão pós-modernidade”

 As fronteiras do que concebemos como sociedade foram expandidas. A revolução dos meios de comunicação diminuiu as distâncias entre nós e o resto do mundo. Por outro lado, os laços entre as pessoas enfraqueceram. Não sabemos como lidar com essa nova dimensão das relações sociais em escala mundial, tememos o novo e, por isso, nos fechamos em pequenos núcleos, zonas de conforto. Sofremos uma crescente crise de identidade. Para lidar com os problemas, recorremos a instrumentos que apenar surtem o efeito de analgésicos sem solucionar os problemas. Nosso corpo passa a ser nossa única fonte de certeza, nossa única afirmação de identidade. É isso que evidencia a proliferação dos livros de auto-ajuda. Com o objetivo de curar os indivíduos da “depressão pós-modernidade”, esses livros são exemplo perfeito de instrumentos utilizados apenas para amortecer o medo da nova e complexa realidade globalizada. Seu efeito, porém, consiste apenas em postergar o momento de enfrentamento do indivíduo com a nova realidade

  Em virtude do intenso contato com outras culturas, vivemos, com cada vez maior frequência, papéis que não são nossos. Com medo do fato de não conseguirmos controlar o que está acontecendo, por não sabermos quais “papéis” escolher, recuamos e nos fechamos em núcleos do que conhecemos e conseguimos controlar, para afirmarmos nossa identidade. Ou seja, externalizamos essa insegurança através do controle do que nós é próximo, tangível, a fim de reafirmar nossa identidade e a identidade do ambiente em que estamos inseridos. O exemplo mais tangível disso é o nosso corpo. Decidimos sobre nosso peso, a cor de nossos cabelos, a quantidade de furos nos lóbulos de nossas orelhas, como nos vestimos e até mesmo quanto à quantidade de sinais de nascença que desejamos presentes em nossa pele. À exceção de casos extraordinários, como enfermidades raras, temos facilidade em manipular o que acontece com nossa aparência externa. O corpo vira, assim, nosso porto seguro em meio a um mar desconhecido. Analogamente, pode-se dizer que o corpo está para o indivíduo assim com as luzes de segurança estão para o condomínio: constituem, na chamada “sociedade do risco”, formas de proteção contra possíveis ameaças externas, de exprimir o medo desse novo modelo abrangente de sociedade. Por outro lado, ao passo que afastamos os riscos, também afastamos oportunidades que poderiam nos agregar positivamente, possibilitando nosso crescimento como indivíduos. 

  Os livros de auto-ajuda ajudam para esse fenômeno porque estimulam o auto-centramento dos indivíduos, contribuindo para a concepção de que devemos nos munir internamente contra as adversidades que enfrentamos, através do aperfeiçoamento pessoal. Incitar pessoas a se aperfeiçoarem como indivíduos não é errado; o problema é a forma como elas são estimuladas. O auto-centramento exacerbado leva ao isolamento. Isolados, tornamo-nos seres narcisistas. O aprimoramento pessoal preconizado, consequentemente, torna-se um fim em si mesmo - quando deveria visar, em última instância, ao bem da coletividade. Assim, os indivíduos ficam alienados. E, quando em contato com a realidade concreta após um considerável períodos de imersão em seus universos individuais, tornam-se ainda mais desorientados do que se sentiam quando decidiram recorrer aos livros. 

  Assim, pode-se inferir que os livros de auto-ajuda, potenciais instrumentos de auto-alienação, revelam o temor da humanidade perante ao novo modelo de civilização em desenvolvimento.


2 comentários:

Anônimo disse...

Então Cris. Gostei desse, mostra uma visão diferenciada de uma alternativa que está sendo muito requisitada para nossos problemas individuais e sociais.
Eu, sinceramente, até apoio a utilização desse tipo de livro, para aliviar a pressão individualista e isolacional que todo o conjunto de sistemas pressiona sobre cada um. Mas acho que há de separar joio do trigo: nem sempre todos livros de auto-ajuda serão benéficos; alguns logicamente irão abitolar as pessoas, da mesma forma que uma igreja pentecostal faz hoje.
Isso que tu dizes sobre o aprimoramento pessoal, acredito que não esteja errado, de todo jeito. Mas na realidade, o emprego desses livros para a própria utilização do significado é errôneo: só há aprimoramento pessoal quando aprendemos a crescer uns com os outros. E isso é lição pessoal, lição histórica: as igrejas e cultos que conseguem se sustentar (sem muitos fanatismos) baseiam-se nesse princípio.
É uma tolice acreditar que vamos nos "salvar" sozinhos da angústia da vida (especificamente a contemporânea). Por isso acho que o amor incondicional é um sentimento que mais reflete a forma certa, indepedente de seita ou religião.

obs: sei que esse comentário destoou do contexto mais científico-social, mas certas coisas eu não consigo fugir haha

Penny disse...

Me apresenta um exemplo consistente de livro de auto-ajuda que não contribua para a dissociabilidade que eu certamente reverei meus conceitos. Mas eu não consegui, pelo menos até agora, pensar que eles não são componentes desse sistema que contribuem para a pressão individualista e isolacional que mencionaste. Ficar se auto-imprimindo um valor identitário inestimável não contribui para o aperfeiçoamento das deficiências das instituições sociais que nos mais das vezes são a causa de tal sentimento de solidão. O estímulo à convergência de esforços para suprir tais lacunas, pra mim, é um cenário que concebo como mais adequado. Nunca deixando de lado, obviamente, o plano individual. O cerne da questão, pra mim, não é o quanto os livros de auto-ajuda são, de fato, prejudiciais; mas, sim, a forma como eles podem se apresentar danosos - que é o quadro mais recorrente, infelizmente. Temos que cultivar o pensamento de que pode, sim, haver um equilíbrio entre individualismo e coletivização. Essa disparidade hodierna é, obviamente, uma herança histórica oriunda das revoluções liberais e da transposição do plano analógico para o disjuntivo. Passa a haver uma separação drástica entre tudo. Como, por exemplo, a distinção que faz Descartes entre res cogitas e res extensa. A dialética é completamente posta de lado.
Bem, estou dando muitas voltas. Acho que já "made my point". Realmente gostaria de discutir mais sobre o assunto, se estiveres disposto. Ainda mais se me trouxeres um bom exemplo de livro de auto-ajuda. :)
Como sempre, fizeste um comentário altamente pertinente :)

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